Apresentação

quinta-feira, 14 de abril de 2016

UM CARDEAL DESCRENTE

CERTO DIA, UM CARDEAL ME DISSE: "NÓS DOIS SABEMOS QUE SATANÁS NÃO EXISTE"

"Bom dia, Eminência, sou o padre Gabriele Amorth. Sou sacerdote paulino. Moro em Roma. Sou também o exorcista oficial da .."
"Sim, eu sei. Ouvi falar de você. Diga-me: o que deseja?"
"Gostaria de encontrá-lo."
"Com que finalidade?"
"Bem, formei uma associação de exorcistas. Nos reunimos em Roma para debater e ajudar uns aos outros. O senhor sabe que, no mundo, somos na verdade muito poucos."
"Escute, agora não tenho tempo. Se desejar, pode vir à minha casa amanhã. Assim, me explica o que deseja. Até logo."
O cardeal encerra a conversa de maneira bem brusca. Ao menos, é o que me parece. Algo me diz que não tem simpatia por mim. Intuo o motivo. Mas ainda quero me encontrar com ele.
No dia seguinte, faço-me anunciar em sua casa, na hora marcada.
[...]
"Entre!", grita uma voz rouca que, imagino, vem do salão no fim do corredor.
[...]
"Você queria me ver. Pois aqui estou. Fale."
"Bem, Eminência. Desejava informar-lhe sobre o fato de que, na qualidade de exorcista da diocese de Roma, pensei em convocar uma pequena assembléia de exorcistas. Somos poucos no mundo e pouquíssimos na Itália. Pensei que um encontro poderia nos ajudar. É um 'trabalho' difícil. Assim, vim até aqui apenas para informá-lo dessa iniciativa."
[...]
"Ruini já foi informado. Escrevi a ele pessoalmente. Pareceu-me conveniente informar também ao senhor..."
"Sim, sim, está certo. Fez bem. Mas quanto a essa história do diabo..."
"Sim?"
"Digo que... O senhor faz o trabalho de exorcista, mas nós dois sabemos que Satanás não existe, não é verdade?"
"O que o senhor quer dizer com 'sabemos que não existe'?"
"Padre Amorth..Por favor.. O senhor sabe melhor do que eu que tudo isso é uma supertição. O senhor não quer me fazer acreditar que realmente crê nessas coisas, não é?"
"Eminência, assusta-o? Mas por quê? Não me venha dizer que o senhor realmente acredita nisso..."
"Eu creio que Satanás existe."
"Realmente? Eu não. E espero que ninguém acredite. Difundir certos medos não é bom..."
"Bem, Eminência... O senhor não precisa me dizer isso...Mas, se me permite, eu lhe sugeriria algo."
"Diga-me."
"O senhor deveria ler um livro que talvez possa ajudá-lo."
"Ah, sim? Que livro, padre Amorth?'
"O senhor deveria ler o Evangelho."
Um silêncio glacial cai sobre a sala. O cardeal olha para mim, sem responder. De maneira que insisto:
"Eminencia, é o Evangelho que fala do demônio. É o Evangelho que nos diz que Jesus expulsa os demônios. E não só isso. É o Evangelho que diz que, entre os poderes que Jesus deu aos apóstolos, está o de expulsar os demônios. O que o senhor deseja fazer? Eliminar o Evangelho?"
"Não, mas eu..."
"Eminência, quero ser franco com o senhor. A Igreja comete um pecado grave ao não falar mais do demônio. As consequências desse comportamento são gravíssimas. Cristo veio e lutou. Contra quem? Contra Satanás. E o venceu. Mas ele segue livre para tentar o mundo. Hoje. Agora. E o senhor, o que faz? Me diz que são apenas supertições? Então o Evangelho também é uma supertição? Mas como a Igreja pode explicar o mal sem falar do diabo?"


"Padre Amorth, Jesus expulsou os demônios, é verdade. Mas é só uma maneira de falar, para pôr em evidência o poder de Cristo! O Evangelho é uma expressão contínua de parábolas. São todas parábolas. Jesus sempre ensinou por meio de parábolas."


"Mas, Eminência, quando Jesus quer usar uma parábola, Ele fala claramente. O Evangelho diz: 'Jesus lhes contou esta parábola'. Ao mesmo tempo, o Evangelho distingue claramente fatos históricos, que realmente ocorreram: as curas, as repreensões, os exorcismos, diferenciando estes das curas. Quando Jesus expulsa os demônios, não se trata de uma parábola, mas da realidade. Ele não lutou contra um fantasma, mas contra uma realidade, do contrário tudo não teria passado de uma farsa. Muitos santos lutaram contra o demônio, muitos santos foram tentados pelo demônio; pense, por exemplo, nas experiências dos Padres do Deserto. Muitos santos realizaram exorcismos. Então, todos foram falsos, todos neuróticos? Como é possível não acreditar na existência de Satanás?"
"Está bem, mas ainda que admitamos que form fatos reais, ainda aceitando que Jesus expulsou os demônios, resta o fato de que Jesus, com sua ressurreição, venceu tudo, portanto, venceu também o demônio."
"Sim, é verdade, venceu tudo. Mas essa vitória deve ser  aplicada e encarnada na vida de cada um de nós. Cristo venceu, mas sua vitória, para nós, deve ser reafirmada dia após dia. Nossa condição de homens impõe isso. A ação do demônio não foi anulada completamente. O demônio não foi destruído. O Evangelho diz que o demônio existe e que tentou inclusive ao próprio Cristo. Jesus deu as armas, deu também a nós, para vencer o demônio. O demônio pode nos tentar ainda, todos podemos ser tentados, como demonstra a oração contra o maligno que o próprio Jesus nos ensinou, o Pai-nosso. Até o Vaticano II, terminada a missa, dizia-se a oração de São Miguel Arcanjo, esse pequeno exorcismo composto pelo Papa Leão XIII, e lia-se o Prólogo do Evangelho de São João, numa chave libertadora."

Sua Eminência já não sabe o que dizer. Não fala nem reage. Levanto-me, despeço-m e saio. E penso: a que ponto chegamos? E pensar que, até princípios da Idade Média, os exorcistas existiam em toda parte. Depois, desgraçadamente, algo mudou.


do livro "O ULTIMO EXORCISTA" - Pe. Gabriele Amorth com Paolo Rodari.

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